Manobras no arcabouço fiscal turbinam gasto do governo em até R$ 82 bi em 2024

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“Tentam garantir mais gastos, possivelmente atendendo a pressões. Essa é uma coisa ruim do substitutivo”, afirma Felipe Salto

ALEXA SALOMÃO E IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF

Alterações no projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal estão garantindo recursos adicionais para o Executivo turbinar seus gastos fora dos parâmetros propostos inicialmente pelo próprio governo.

Pelo menos duas mudanças já chamaram a atenção dos especialistas: a autorização para os gastos crescerem no máximo previsto pela regra em 2024 e a permissão permanente para o governo usar a inflação a favor de mais despesas em caso de repique dos preços até o fim do ano.

As duas manobras asseguram um espaço extra de até R$ 82 bilhões para gastos do governo petista em 2024 e ampliam a base de cálculo para os anos seguintes.

“Tentam garantir mais gastos, possivelmente atendendo a pressões. Essa é uma coisa ruim do substitutivo”, afirma Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena.

A avaliação entre os especialistas é que o Ministério da Fazenda reconhece que terá dificuldades para elevar as receitas e cumprir os parâmetros, o que levaria a uma menor expansão orçamentária já na largada do arcabouço. Por isso, a pasta busca alternativas no Congresso para garantir recursos adicionais.

Pela regra em discussão, o limite de gasto do ano seguinte deve equivaler a 70% da variação da receita em 12 meses acumulados até junho do ano anterior, já descontada a inflação, mas sempre dentro de uma banda de 0,6% a 2,5%.


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O relator do projeto de lei na Câmara que estabelece o novo regime fiscal, deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA), fixou que a despesa do governo pode ter um crescimento real de 2,5% no gasto, seja qual for a receita.

O governo vinha projetando um crescimento da despesa menor, de cerca de 2,3%. No entanto, a estimativa era generosa quando comparada à feita por parte dos economistas que trabalham com estatísticas macroeconômicas. A articulação para cravar o percentual de 2,5% reforça a percepção de que seria difícil chegar a esse patamar.

O ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments, fez as contas sobre o eventual efeito dessa mudança. Ele estima que a fixação do crescimento real do limite em 2,5% para o ano que vem pode render R$ 40 bilhões adicionais para o governo, na comparação com a expectativa inicial de um avanço pelo piso de 0,6%.

Há também um custo para a imagem do governo.


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“Ficou ruim fixar no primeiro ano um percentual, já desviando da proposta original. Mostra dificuldade de o governo lidar com a sua própria regra”, afirma o economista Manoel Pires, coordenador do Núcleo de Política Econômica e do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas).

Pires acredita que o governo terá de seguir fazendo ajustes para cumprir a regra, possivelmente em pouco tempo.

“Minha perspectiva é que se produzam alguns avanços nos próximos três anos, como melhora de primário e dos mecanismos de gestão”, diz ele. “Depois, avaliamos algum ajuste mais estrutural na regra, mantendo o que funcionou e ajustando outras coisas. As regras mudam em outros países também na medida em que essas avaliações são feitas. É um debate evolutivo no mundo todo.”

Pires estimava crescimento de pouco mais de 1% nos gastos pelos parâmetros da proposta apresentada originalmente.


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O número é ligeiramente superior ao projetado pelo economista Bráulio Borges que, considerando as receitas até junho deste ano, trabalhava com um aumento real de 0,9% para as despesas dentro da regra.

“A sinalização é ruim porque mostra que o governo não quer fazer ajuste já no primeiro ano de vigência do novo arcabouço, e isso depois de ter um ano de forte expansão de despesas, por causa da PEC (proposta de emenda à Constituição) aprovada em 2022”, afirma, em referência à proposta aprovada ainda na transição, que assegurou um adicional de R$ 168 bilhões.

Nas projeções de Borges, a fixação do crescimento da despesa no teto da banda também vai elevar o esforço necessário para cumprir a meta de resultado primário –a promessa do ministro Fernando Haddad (Fazenda) é zerar o déficit no ano que vem. Se antes o governo precisaria de R$ 150 bilhões, com a mudança vai ter de conseguir um adicional de receita da ordem de R$ 180 bilhões.


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Procurado pela reportagem, Cajado explicou que a fixação dos 2,5% busca contornar os efeitos da desoneração dos combustíveis adotada no fim de 2022, que contribuiu para derrubar a inflação –que agora corrigirá o novo teto (já que um menor índice de preços diminui a correção das despesas).


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Segundo ele, a proposta foi colocada na mesa de negociação e foi aceita por todos que participam das conversas sobre o novo arcabouço.

No entanto, a metodologia para o reajuste do limite de despesas pela inflação também foi alterada na tramitação do texto –o que deve impulsionar mais os gastos.

Pela proposta original, seria considerado o IPCA acumulado de janeiro a junho e o estimado pelo governo de julho a dezembro. Como estimativas estão sempre em uma área cinzenta, o relator considerou mais apropriado considerar o IPCA que de fato ocorreu nos 12 meses encerrados em junho do ano anterior do Orçamento.

Essa mudança também veio acompanhada de uma manobra que ajudou a turbinar as despesas na largada do arcabouço. A nova versão do texto autoriza o governo a fazer ajustes, caso o índice de preços tenha uma aceleração nos meses até dezembro.

Esse ajuste significa, na prática, a possibilidade de ampliar gastos no exercício seguinte. Via de regra, a incorporação dessa diferença seria temporária, mas o texto prevê uma exceção para 2024, quando o ajuste nos gastos será permanente. Isso ajudará a inflar a base de cálculo do limite para 2025 em diante.

Bittencourt, da ASA Investments, estima que só esse efeito pode dar mais R$ 42 bilhões para o governo gastar.

Isso porque a inflação acumulada em 12 meses até junho de 2023 deve ficar em 3,7%, enquanto o IPCA até dezembro é estimado em 5,8%. A diferença de 2,1 ponto percentual é quanto o teto crescerá a mais, de forma permanente, por causa da redação da regra.

Técnicos que participam das negociações do projeto admitem que a redação proporciona um espaço extra de pelo menos R$ 35 bilhões –menor que as estimativas do mercado porque há expectativa de queda no preço dos combustíveis.

Outros técnicos minimizam o ruído em torno desse ponto sob a justificativa de que o projeto original do governo já previa a correção do limite pela inflação observada até junho mais a projeção até dezembro.

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