
TCU avalia aceitar térmica de Cuiabá e dar receita de R$ 10 bilhões a J&F
Empresa está prestes a fechar acordo que altera contrato de usina, em reviravolta de órgãos reguladores; J&F não comenta
A Âmbar Energia está nos capítulos finais para uma reviravolta na longa divergência que trava com órgãos reguladores. Segundo a reportagem apurou, está na fase final a negociação que vai autorizá-la a usar a térmica de Cuiabá, uma usina do grupo com mais de 20 anos, no lugar de quatro projetos novos que não entraram em operação na data prevista. A troca é proibida no contrato original de fornecimento de energia assinado pela empresa.
Braço de energia da J&F, holding da família Batista, que também controla a JBS, maior empresa de carnes do mundo, a Âmbar buscava a alteração desde o início de 2022, sob intensa controvérsia.
O desfecho favorável está em análise na Secex Consenso (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos). Trata-se de nova esfera do TCU (Tribunal de Contas da União), criada pelo presidente do órgão, ministro Bruno Dantas, em janeiro deste ano, para mediar divergências entre os setores público e privado.
O acordo preliminar em negociação ainda em sigilo, ao qual a reportagem teve acesso, traz uma série de alterações em relação ao contrato original. O item financeiro prevê geração flexível.
Para manter a térmica à disposição, a Âmbar terá direito a uma receita de R$ 1,44 bilhão ao ano, por sete anos, o que totaliza um pouco mais de R$ 10 bilhões no período. Os pagamentos mensais ficariam em aproximadamente R$ 120 milhões. Os custos serão debitados na conta de luz.
A receita fixa de usinas a gás varia, mas esse valor está muito acima do praticado para uma térmica antiga e com o porte dela.
Após todas as ampliações, a usina de Cuiabá tem 529,2 MW (megawatts) de potência instalada. Térmicas similares recebem cerca de R$ 450 milhões por ano. Nessa faixa de potência, o maior valor hoje é de R$ 760 milhões por ano.
Os negociadores argumentam que a empresa deu um desconto generoso em relação ao valor original, que era de R$ 17 bilhões, e não vai entrar na Justiça. Esses projetos da Âmbar hoje não custam nada aos consumidores, por força de uma decisão anterior da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
A esfera final de aprovação do novo acordo é o plenário do TCU.
O caso da Âmbar está numa leva de revisões. A meta é negociar com todos os empreendedores insatisfeitos com os seus resultados no leilão de energia feito em outubro de 2021, no meio da crise hídrica, para a contratação de térmicas antirracionamento. Por ter sido um certame emergencial e ter regras mais flexíveis, ele foi chamado de PCS (Procedimento Competitivo Simplificado).
Essa negociação ocorre a pedido do MME (Ministério de Minas e Energia). O titular da pasta, Alexandre Silveira, costuma dizer que está tentando resolver um problema herdado do governo anterior. No entanto, seu antecessor já tinha dado início a outra solução.
O então ministro Adolfo Sachsida foi contra a mudança nos contratos do PCS e se preparava para cancelar quem não o cumpriu quando veio a derrota eleitoral. Ele considerava que análise da área técnica e parecer da consultoria jurídica da pasta afirmaram que não havia sustentação para o uso da térmica de Cuiabá.
Na conciliação tem investidor que cumpriu o prazo, mas está insatisfeito porque o custo do gás pesa na operação. Mas também há os empreendedores atrasados, que poderiam perder o contrato, e tentam manter o retorno altíssimo, sem paralelo no setor. O PCS garante R$ 1.700 pelo MWh (megawatt-hora), quase sete vezes mais que o valor médio pago hoje sem essas usinas.
O caso da Âmbar tem particularidades.
A empresa não disputou o leilão do PCS. Comprou os projetos no final de 2021. Já em janeiro de 2022, buscava alternativas na Aneel. O relator do caso na agência era o diretor Efraim da Cruz.
Em maio, ele conseguiu uma liminar permitindo a troca pela térmica de Cuiabá, que foi derrubada em um mês, mas ele obteve um novo acordo e restituiu a autorização para Cuiabá. Seu mandato na agência terminou em agosto com ele ainda tentando fazer as mudanças que a empresa reivindicava.
Em outubro, a diretoria da Aneel decidiu de vez pelo fim do contrato. A Âmbar recorreu. Um novo diretor, Ricardo Tili, pediu vistas do processo e não tratou mais do tema, protelando o carimbo final na decisão já tomada. Não há registro na história da Aneel de que um diretor tenha ficado tanto tempo analisando uma questão já definida pelos seus pares.
Efraim e Tili são próximos e chegaram à agência por indicação do mesmo parlamentar, o senador Marcos Rogério (PL-RO). O senador também indicou outro diretor, Fernando Mosna, que era seu assistente de gabinete.
Neste ano, Efraim foi alçado a secretário-executivo do MME com a troca de governo. No setor elétrico não faltam relatos sobre seus esforços para uma solução ao caso da Âmbar nos termos que se aproximem dos que ele defendeu quando estava na agência.
O novo desfecho para o polêmico caso já vazou, provocando reações entre os especialistas em regulação, que vão do espanto à indignação.
“Se isso passar, será um absurdo regulatório”, afirma Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia. “Como vamos bater o peito e dizer que o Brasil cumpre contratos se os próprios órgãos do Estado estão reescrevendo contratos públicos em benefício de alguns privados?”
O ex-diretor-geral da Aneel Jerson Kelman também recomenda cautela.
“Seria um equívoco buscar uma ‘solução de compromisso’ para as usinas contratualmente inadimplentes. Como, por exemplo, aceitar a substituição das térmicas novas que deveriam ter sido construídas, mas que não foram, pela ‘velha térmica de guerra’ de Cuiabá, inaugurada mais de 20 anos atrás. Constituiria flagrante violação do edital de licitação”, afirma ele.
Em sua avaliação, se isso for feito, ele diz que a térmica de Cuiabá é um ativo amortizado por tarifas pagas pelos consumidores cativos, então, deve receber bem menos que uma térmica nova.
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