
Senado abraça lobby de setores, e especialistas temem novas exceções na Reforma Tributária
O caso mais emblemático é a criação de uma alíquota específica para profissionais liberais, equivalente a 70% da cobrança padrão
A tramitação da Reforma Tributária no Senado escancarou o lobby de diferentes setores em busca de tratamento diferenciado e a disposição dos parlamentares em atender aos pedidos, em detrimento de outros segmentos da economia e da própria coesão técnica do novo sistema tributário.
Especialistas afirmam que, frente às 693 emendas apresentadas, o relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), conseguiu fazer um bom trabalho ao barrar a maior parte das pressões. Ainda assim, flexibilizações vistas como inadequadas foram incluídas sob a bênção de figuras de peso na Casa.
O caso mais emblemático é a criação de uma alíquota específica para profissionais liberais, equivalente a 70% da cobrança padrão válida para a maior parte dos setores.
A medida vai beneficiar sobretudo advogados, engenheiros, contadores e outros membros de profissões regulamentadas que estão fora do Simples Nacional (ou seja, têm faturamento superior a R$ 4,8 milhões ao ano).
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi um dos entusiastas da mudança. Ele chegou a se reunir com representantes do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e demonstrou apoio à medida —que não encontra paralelo em nenhum outro país com o sistema IVA (Imposto sobre Valor Agregado) a ser instituído pela Reforma.
“Quando o próprio presidente do Senado recebe os profissionais liberais e dá a entender que o pleito deles é legítimo, é muito difícil para o relator conter isso. Tenho certeza que o Eduardo Braga ouviu os especialistas, todos falaram que isso era um grande equívoco. Mas o relator não tem como barrar sozinho”, afirma o economista e pesquisador Sérgio Gobetti, especialista na área tributária.
“Os senadores fizeram ouvidos moucos a todas as recomendações dos técnicos e especialistas. Eles demonstraram muito mais propensão a atender aos lobbies e menos atenção ao que a área técnica tinha a dizer. Nem ouviram, em alguns casos. Minha sessão não tinha um senador ouvindo [além do relator]”, afirma Gobetti, que participou de uma audiência pública sobre a proposta.
O presidente da CNS (Confederação Nacional de Serviços), Luigi Nese, critica pontos da Reforma, que pode onerar alguns serviços, mas afirma que a entidade evitou endossar pedidos setoriais. “Toda exceção faz com que outro pague a conta. Mostrei que não íamos atuar pedindo nada para nenhum setor. Pedimos a desoneração da folha, que fica distribuída para toda a sociedade”, diz.
Ele reconhece o risco de aumento de carga para os liberais. “Mas a questão não é mais técnica, é política. Quem pode mais chora menos.”
Especialistas e membros do governo estimam que a mudança deve ter efeito limitado sobre a alíquota dos novos tributos, que já era calculada entre 25,45% e 27% —entre as mais elevadas do mundo. Ainda assim, a concessão cria problemas de implementação e encoraja novas pressões.
A especialista Melina Rocha, consultora internacional de IVA, afirma que criar uma quarta alíquota para profissionais liberais é negativo, pois amplia a complexidade do novo sistema. A PEC (proposta de emenda à Constituição) previa antes três alíquotas: zero, padrão e reduzida (40% da padrão, ou seja, desconto de 60%).
Ela cita o caso da Índia, que adotou o sistema IVA em 2017 com cinco alíquotas (zero, 5%, 12%, 18% e 28%) para evitar aumento da carga individual sobre os setores. “Hoje eles se arrependem, estão tentando pelo menos voltar a um sistema de apenas três alíquotas. O resultado foi muito negativo em termos de caracterização de bens e serviços e judicialização. É uma lição para o Brasil”, afirma.
O secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, reconhece o desafio de mudar o sistema tributário a partir de um modelo recheado de distorções e diferenças de tributação, como o atual. “É mais difícil e, obviamente, gera toda essa pressão política”, diz.
Em entrevista à Folha, ele criticou as novas exceções e disse que o ideal é não haver mais mudanças no texto.
Além dos profissionais liberais, o relator incluiu regimes específicos para saneamento, concessões de rodovias, comunicação institucional, companhias aéreas, agências de viagens e turismo e telecomunicações.
“A quantidade de exceções é ruim, mas não é uma crítica ao relator, especificamente. É uma crítica à má compreensão sobre o tema demonstrada pelo conjunto dos senadores”, afirma Gobetti.
Melina Rocha lembra que, em outros países, o mais comum é limitar os tratamentos diferenciados a setores sensíveis, como saúde e educação. “A cada exceção que é incorporada no texto se perde um pouco mais em termos de impacto econômico”, analisa.
Aguarde um momento, estamos gerando o seu link para Download.
Gerando Link
0%