
Recuperação judicial da Americanas afetou ao menos 371 atividades econômicas
Há um ano, a empresa recorreu à Justiça após vir à tona uma fraude contábil que resultou em R$ 42,5 bilhões em dívidas
A crise da Americanas afetou de gigantes do setor bancário a microempresas. Ao menos, 371 atividades econômicas listadas em 19 das 21 seções da Cnae (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) sofreram impactos com o pedido de recuperação judicial da rede varejista.
Há um ano, a empresa recorreu à Justiça após vir à tona uma fraude contábil que resultou em R$ 42,5 bilhões em dívidas.
Entre quem tem dinheiro a receber da empresa há 36 bancos e instituições financeiras, que juntos concentram 83,4% do total do crédito. No entanto, 3.607 micro e pequenas empresas constam da lista de credores, além de mais de 5.000 médias e grandes empresas.
A Folha extraiu esses dados da lista de credores do plano de recuperação judicial, divulgado em junho. Depois, cruzou-a com o CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) da Receita Federal, que menciona a atividade econômica exercida pela empresa.
“Edição de livros”, por exemplo, é uma atividade econômica listada na seção “informação e comunicação”. “Fabricação de vinho” fica na categoria maior “indústria de transformação”, e “serviços advocatícios”, em “atividades profissionais, científicas e técnicas”.
Na lista de credores, há desde fornecedores de doces (indústria alimentícia), passando por farmácias de manipulação e transportadoras de todos os portes e até dois dentistas.
O critério para validação da assembleia que aprovou o plano de recuperação judicial da Americanas, entretanto, desconsiderava essa diversidade. Requeria que os credores participantes deveriam representar 50,01% da dívida. Participaram da assembleia de dezembro 2.041, das quais 1.860 aprovaram o plano.
A principal frente de negociação aberta pela Americanas foi com as instituições financeiras. Ainda no fim de novembro, a empresa anunciou que havia fechado acordo com Bradesco, BTG Pactual, Itaú e Santander, que detêm 35% da dívida.
Os credores que tinham a opção de comprar parte das ações a um preço predefinido (stock option) ainda receberam uma sinalização da Americanas: R$ 12 bilhões em ações.
As mais de 3.600 pequenas e micro, por sua vez, ficam em um grupo próprio de credores e recebem tratamento favorecido, desde reforma na Lei de Recuperação Judicial de 2014.
Segundo o plano proposto pela Americanas, não haverá desconto para esse conjunto, e o pagamento será feito em até 30 dias após a homologação.
As médias e grandes empresas de outros setores, porém, ficaram espremidas nesse jogo de preferências e foram as menos consideradas no plano final, de acordo com o professor da Faculdade de Direito da USP Carlos Pagano, especialista em direito comercial.
“Esses negócios também têm um grande volume de funcionários e estão mais vulneráveis ao baque de um calote da Americanas do que um grande banco, que tem ativos mais diversificados”, diz Pagano.
“Os próprios credores podem ser levados a uma situação de recuperação judicial e dispensa em massa de funcionários por essa situação”, afirma.
Procurada pela Folha, a Americanas diz que a proposta, aprovada em primeira convocação de assembleia de credores, com 91,14% de adesão entre os votantes e 97,19% em volume de dívida, demonstra que o plano de recuperação judicial é factível e bem aceito entre as partes.
“Os esforços dos acionistas de referência, com a injeção de capital de R$ 12 bilhões, e as amplas discussões com credores permitiram a criação da cláusula para ‘Credor Fornecedor Colaborador’, com a destinação de R$ 4 bilhões para atendê-los e priorização de pagamentos ao fornecedor que estiver de acordo com os termos”, diz a empresa.
Os fornecedores colaboradores, entretanto, tinham de aceitar as condições propostas pelas Americanas e continuar abastecendo a empresa, após o escândalo contábil. A cláusula apresentada em março indicava que os interessados deveriam voltar a trabalhar com a varejista até abril para não ter deságio.
As empresas de tecnologia listadas entre os credores também receberam condições especiais no plano.
A Americanas ainda cita que os quirografários –credores sem garantia real–, credores de quantias de até R$ 12 mil ou com valores acima, mas que aceitem receber R$ 12 mil pelo pagamento de seus créditos, serão pagos em parcela única no prazo de até 30 dias após a homologação do plano.
A varejista deve mais de R$ 12 mil a 2.676 credores considerados quirografários.
Além disso, algumas das 371 atividades econômicas afetadas pela recuperação judicial da Americanas ficaram sem tratamento especial.
Essenciais para um negócio que atende todo o país, as transportadoras, por exemplo, ainda estão sem garantias. Dessas empresas, 17 têm débitos a receber da varejista acima dos R$ 100 mil e são consideradas quirografárias.