Mercado monitora volta da Petrobras ao passado sob planos do governo Lula

1

Além da mudança no estatuto, há aumento e diversificação dos investimentos, com tendência de queda nos dividendos

Lenta volta ao passado. É assim que especialistas da área de óleo e gás definem os movimentos da Petrobras na largada do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As mudanças ficaram mais claras nas últimas semanas, com a divulgação do Plano Estratégico 2024-2028. O sinal amarelo do ano foi acionado apenas na quinta-feira (30).

A União é majoritária no capital votante e, em assembleia de acionistas, aprovou a supressão de trechos do estatuto da companhia que blindavam indicações políticas à alta chefia da estatal.

No mercado, há quem chame a mudança de risco Lava Jato, em uma associação ao temor de que a estatal volte a ter os loteamentos que no passado propiciaram desvios de conduta e de bilhões de reais, apurados pela operação.

“Foi uma mudança intempestiva, inoportuna e que abre margem para especulações desnecessárias”, afirma Helder Queiroz, professor titular do Instituto de Economia da UFRJ que foi diretor da ANP (Agência Nacional de Petróleo).

A primeira alteração relevante, anunciada ainda na campanha, foi a suspensão do PPI (preço de paridade de importação), que fazia o reajuste automático no mercado interno em relação ao valor internacional. Adotou-se uma espécie de “PPI light”, em que o repasse ocorre, mas de forma mais gradual, seja para cima, seja para baixo.

A leitura no mercado é que a gestão dos preços dos combustíveis tem sido profissional, mas ninguém arrisca cravar o que pode ocorrer em caso de repique nas cotações internacionais do óleo, momento em que a tensão para segurar a alta sempre aparece.

Ainda prevalece um certo desconforto com a imprevisibilidade e a falta de transparência na formação dos valores que chegam à bomba.

“A Petrobras é o price maker [fazedor de preços] e baliza o comportamento de outros integrantes do mercado, como os importadores” diz Queiroz.

“Fica todo o mundo, inclusive o governo, aguardando se, quando e de quanto pode ser o reajuste. Eu mesmo, que sou da área, confesso que, a cada reajuste, até tento calcular algum critério ou parâmetro, mas não consigo encontrar.”

O sinal forte de revisão de rota é o aumento dos investimentos.

Como a Petrobras é uma empresa listada em Bolsa, há consenso no setor de que deve remunerar os acionistas. Efeitos positivos sobre a economia –geração de emprego e fomento da indústria– não seriam um fim, mas uma consequência de seu sucesso empresarial. Como o governo é acionista, pode usar os seus dividendos para fazer política pública.

Historicamente, no entanto, as gestões petistas veem a Petrobras como um agente indutor de política pública. Reduzem a distribuição de dividendos para que a companhia possa investir mais.

O auge dessa estratégia ocorreu no primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT). A estatal investiu R$ 565 bilhões e distribuiu R$ 335 milhões em dividendos.

Vieram, então, a fase dos excessos e a crise financeira. Congelamentos do preço de combustíveis, superinvestimentos nos mais diversos setores com baixo retorno, denúncias de corrupção e a Lava Jato comprometeram os resultados. A petroleira registrou prejuízo bilionário de 2014 a 2017, período em que teve uma das maiores dívidas corporativas do mundo, que chegou a US$ 133 bilhões (R$ 654 bilhões).

Ao assumir a Presidência, Michel Temer (MDB) iniciou uma reversão dessa lógica, que foi levada ao extremo oposto por Jair Bolsonaro (PL). O governo passado distribuiu R$ 299 bilhões em dividendos, cerca de seis vezes mais do que a média dos quatro governos anteriores, e investiu R$ 133 bilhões.

O plano da companhia para os próximos cinco anos resgata o protagonismo da estatal. De 2024 a 2028, prevê o desembolso de US$ 102 bilhões (R$ 501,7 bilhões), um aumento de 30,7% em relação à proposta anterior.

Quem acompanha a Bolsa já identificou o efeito sobre o retorno para os acionistas.

“Os números mostram que os dividendos ainda são altos, mas já indicam uma reversão na relação com os investimentos”, afirma o consultor de dados financeiros Einar Rivero (veja infográfico).

lula/infografico1.html *** A reformulação dos negócios está dada também. O governo anterior priorizou a exploração de grandes poços do pré-sal, elevando a geração de caixa e a rentabilidade. Agora, volta a diversificação, que tende a reduzir o retorno.

Está no radar a retomada da atuação internacional, que tinha sido quase suspensa. América do Sul e África são o foco. A Petrobras planeja ainda para 2024 a licitação de 36 embarcações de estaleiros nacionais.

A companhia anunciou a volta aos fertilizantes, com a retomada das obras da fábrica de nitrogenados em Três Lagoas (MS), interrompidas em 2014. O refino já está em expansão.

Neste ano, a estatal intensificou a produção nacional de diesel. É uma tentativa para reduzir a dependência externa. O país importa de 23% a 27% do diesel que consome.

Em 2023, a produção desse combustível bateu dois recordes, indo em outubro a 2,38 milhões de metros cúbicos.

Galeria Nova chance para a indústria naval Governo tenta reativar setor que foi alvo de conturbada política de apoio em gestões anteriores

Esse esforço poderia ocorrer com a atração de empresas privadas, mas já se configurou a opção por concentrar a atividade –e tanto é assim que a companhia tenta rever os parâmetros do plano de desinvestimento fixados em 2019 em um acordo com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

O termo de compromisso estabeleceu a venda de oito refinarias justamente para reduzir a concentração da Petrobras nesse segmento e atrair investidores internacionais.

“As grandes refinarias da Petrobras estão no Sudeste. Essas incluídas no acordo do Cade para desinvestimento são menores. Do ponto de vista do grupo, a venda não gera perda substancial de valor econômico para a companhia”, afirma Marcio Couto, pesquisador da FGV Energia (Instituto de Estudos em Energia da Fundação Getulio Vargas).


Aguarde um momento, estamos gerando o seu link para Download.

Gerando Link

0%

Deixe um comentário

close