Bilionário da Americanas conta bastidores da crise na varejista

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O empresário Carlos Alberto Sicupira disse ter ficado “em choque”, “caindo para trás”. Foi essa a descrição da cena que ele fez à CVM

No dia 5 de janeiro, quando recebeu uma ligação de Sergio Rial, então CEO da Americanas, para informar a existência de inconsistências contábeis na companhia, o empresário Carlos Alberto Sicupira disse ter ficado “em choque”, “caindo para trás”.

Foi essa a descrição da cena que ele fez à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) em seu depoimento no dia 3 de maio para relatar a sua visão dos acontecimentos que antecederam o comunicado divulgado pela varejista no dia 11 de janeiro, revelando uma crise que, alguns dias depois, levaria a empresa à recuperação judicial com dívidas superiores a R$ 40 bilhões.

Ao lado de Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, Sicupira é um dos bilionários que formam o grupo dos maiores acionistas da Americanas. Dos três, foi ele quem participou da história da empresa, tendo atuado como presidente do conselho de administração e diretor-presidente no passado. Atualmente, é membro do conselho.

Aquele telefonema foi, segundo Sicupira, o primeiro contato que fez com Rial desde a virada do ano. O empresário afirma que Rial já havia ligado para o atual presidente do conselho, Eduardo Saggioro, que estava em Portugal, pedindo que voltasse com pressa ao Rio de Janeiro. Não dava para esperar.

O recado de Rial era o de que ainda seria preciso averiguar. Porém, uma coisa era clara: ele só tinha más notícias e nada o levava a crer que estaria errado.

“Fiquei em choque. E em choque, o que você tem que fazer? Age. Vou para lá imediatamente”, disse Sicupira no depoimento à CVM ao qual a Folha teve acesso.

No dia seguinte às ligações de Rial, 6 de janeiro, reuniram-se os agora ex-diretores estatutários Anna Saicali, José Timótheo de Barros, Márcio Cruz Meirelles, além dos ex-diretores financeiros Fábio Abrate e Marcelo Nunes, sentados todos de um lado da mesa. O ex-CEO, Miguel Gutierrez, já estava fora da empresa desde o fim de dezembro, quando foi substituído por Rial, que assumiu em janeiro.

Do outro lado da mesa, descreve Sicupira, estavam ele próprio, Rial, Saggioro e André Covre, o recém-empossado diretor de relações com investidores, que havia sido levado por Rial para começar a trabalhar na Americanas, mas renunciaria com ele dias depois.

Antes de entrar na sala, Sicupira diz que Rial lhe pediu que não se comportasse de modo inquisidor para não acuar ninguém porque ele vinha tendo muita dificuldade em conseguir que a antiga diretoria da empresa lhe revelasse a situação.

“O Rial começou a reunião. Disse que queria que nós ouvíssemos deles qual era o problema”, afirmou.

Segundo Sicupira, foi Nunes quem começou a falar de financiamentos não contabilizados. Seria o tal risco sacado, a operação em que os bancos pagam o fornecedor de uma empresa e depois a financiam por mais um ano.

O empresário diz que perguntou como fechava a conta e quis saber das cartas de circularização (documentos enviados pelos bancos a pedido do auditor), mas Nunes respondeu que elas vinham sem as informações de tais empréstimos.

“A minha reação quando eu soube disso foi: ‘Escuta, essa dívida é para não pagar’. Por quê? O banco disse que ela não existe. E ela não foi aprovada pelo conselho”, afirmou Sicupira.

Segundo o empresário, Nunes também falou que haveria créditos fiscais, além de algum negócio envolvendo Shoptime (uma das marcas do grupo) e outros R$ 2 bilhões de custo do ataque hacker sofrido em 2022.

 

“Aí eu me lembrei, na hora, que tinha uma pergunta do comitê de auditoria [sobre] quanto custou o ataque hacker. E a informação foi que não custou nada, fora a perda de vendas. Então, R$ 2 bilhões do ataque hacker mais não sei quanto. Me pareceu que arrumaram uma porção de coisas para encher os buracos ali”, afirmou Sicupira à CVM.

Encerrada a reunião, Sicupira diz ter ligado para os sócios que são, junto com ele, os maiores acionistas e avisou que precisariam colocar dinheiro na companhia.

Em seu depoimento à CVM, quando lhe perguntaram qual era o histórico da operação de risco sacado na Americanas, Sicupira disse que não tem histórico. “A companhia nunca fez”, respondeu.

Segundo Sicupira, aquele tipo de transação não era de conhecimento do conselho de administração nem do comitê de auditoria nem do comitê financeiro. E ainda que tivesse sido apresentado, não teria sentido fazer o risco sacado, porque não era a melhor forma de financiamento para a varejista, segundo ele.

Nas palavras do empresário, a taxa seria mais alta do que aquela em que a empresa tomava dinheiro. “A companhia estava financiada ao prazo médio de seis anos a 128% do CDI. E a taxa desse risco sacado é 150%. Então, não fazia sentido a companhia usar isso”, disse.

Sicupira também argumentou que o estatuto da empresa exigia que aquele tipo de operação fosse submetido ao conselho de administração, do qual ele fazia parte, mas isso nunca teria acontecido.


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