No jogo de cara ou coroa imobiliário, os investidores festejam o avanço do aluguel acima do CDI neste ano. Já os inquilinos ficam cada vez mais preocupados com o bolso. A boa notícia: o retorno da locação residencial vai continuar a aumentar. A má é que, pelo menos até a primeira metade de 2025, vai ficar cada vez mais caro morar em uma casa ou apartamento que não seja próprio.
Os novos contratos de aluguel sobem em todo o país impulsionados por um conjunto de fatores que incluem juros em elevação, crédito caro e melhora da renda. Em 12 meses contados até setembro deste ano, o valor médio da locação residencial avançou o equivalente a mais de três vezes a inflação acumulada no período.
Esses aumentos têm pesado no bolso de locatários de todos os perfis. É o caso da economista Luana Alves (nome fictício), que morou no Itaim Bibi, um dos bairros mais valorizados da capital paulista, até o fim do ano passado. Quando se mudou para o apartamento de 70 metros quadros localizado nas imediações do distrito financeiro de São Paulo, buscava a conveniência de estar mais perto do trabalho e morar em uma área “onde podia fazer tudo a pé”. Lá, ela pagava cerca de R$ 4 mil.
Cinco anos mais tarde, o custo do aluguel já tinha subido para R$ 5 mil, ou seja, uma alta de 25%. Ainda que tenha se beneficiado, em parte, com reajustes mais contidos pelo seu contrato ser antigo, a economista sentiu no bolso a alta do aluguel. “Essa conta estava corroendo minha renda”, afirmou. A solução foi buscar uma região menos valorizada e reduzir o custo.
Luana se mudou para o Butantã, bairro da Zona Oeste da capital paulista. A casa é bem maior: 150 m2, mais que o dobro do apartamento antigo. Mas, para dar conta do mesmo valor de aluguel, ela optou por dividir o imóvel com duas amigas. Com isso, seu custo de aluguel caiu para um terço do que ela pagava no apartamento antigo.
No Itaim, um contrato novo atualmente sairia muito mais caro que os R$ 5 mil do apartamento de Luana. Uma pesquisa em plataformas imobiliárias online mostra que imóveis com tamanho semelhante ao deixado pela economista na região já são oferecidos por valores acima de R$ 6 mil por mês.
A demanda por aluguel ganha força porque não só o crédito ficou mais caro e difícil de contratar, mas também porque as pessoas preferem esperar um momento melhor para comprar. É compreensível: entrar numa operação de empréstimo habitacional pode significar comprometer parte de sua renda por até três décadas.
Esse foi o caso do cientista social Gustavo Melo (nome fictício). Ele tentou comprar um apartamento no bairro da Pompéia, em São Paulo. Não deu certo. Além das taxas muito elevadas, os bancos tinham muitas exigências para liberar o financiamento. “Ficaria muito pesado para mim. Hoje nem cogito comprar. Vou permanecer no aluguel.”
Melo mora atualmente em um apartamento de 38 m2 em Perdizes, outro bairro nobre da capital paulista, onde paga R$ 3,5 mil de aluguel. Mas vai ter de se mudar em breve. O contrato vai terminar no fim do ano e o proprietário quer um reajuste de R$ 500 – ou 14%. “Esse valor mais o condomínio, o IPTU e seguros vai levar o custo para quase R$ 5 mil.”
O cientista social está em busca de uma nova residência. Mas terá de se mudar para longe de Perdizes. “Desisti de morar no bairro. Tudo está muito caro.” O novo apartamento será menor, com 30 m2, no Centro da cidade. Mas vai ser mais barato: o aluguel custará R$ 3 mil. “Foi a melhor decisão. A região tem muita infraestrutura e percebo que já está começando a ficar mais cara também.”
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Com uma concorrência cada vez mais intensa, os inquilinos aceitam valores mais altos para garantir o imóvel desejado. “O cliente nem pede desconto. Já fala: ‘é meu’”, afirma o CEO da Lopes Condovel, Carlos Berzoti, imobiliária que faz parte do grupo Lopes.
O consultor lembra ainda que, para além da economia e do crédito, a saída da pandemia ainda provoca impacto no mercado, e fortalece o movimento de busca por aluguel. Berzoti conta que a Lopes recebe muitas consultas de gente em busca de lugar para morar mais perto do trabalho. “Muita gente se mudou para locais mais afastados durante a pandemia e agora, com um retorno ao presencial, tem feito o movimento inverso.”
As pressões sobre os valores e a procura por locação tendem a ficar ainda mais fortes ao menos ao longo do primeiro semestre de 2025. E a dinâmica do crédito para a aquisição de imóveis tem tudo a ver com isso: a economista e cientista de dados do DataZap, Paula Reis Kasmirski, prevê que já nos três primeiros meses do próximo ano as taxas bancárias do financiamento imobiliário tendem a subir de novo.
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A especialista explica haver vários argumentos para esse cenário. Um dos principais é que o Banco Central está em pleno processo de elevação de juros. Nesse caso, as pessoas ganham incentivo para adiar decisões de compra de imóveis e manter o dinheiro aplicado.
Além disso, a principal fonte de recursos baratos para o crédito imobiliário, a caderneta de poupança, tem encolhido de tamanho, o que ajuda a encarecer o financiamento. E não é só o crédito que fica mais caro, mas os bancos também se tornam mais seletivos para conceder empréstimos nessa situação.
E, por fim, o mercado de trabalho deve continuar forte. É verdade que, com os juros mais altos, a tendência do desemprego é aumentar um pouco. Mas, mesmo assim, o nível do emprego e a renda disponível devem continuar acima da média histórica. “Enquanto as pessoas estiverem trabalhando e tendo renda o mercado de locação tem condições de continuar a absorver os reajustes”, diz Kasmirski.
O coordenador do índice FipeZap, Alison Oliveira, diz que o cenário para o mercado imobiliário brasileiro tem um grau de imprevisibilidade grande. Como o setor recebe influência direta do nível de juros, a trajetória das taxas daqui para a frente vai ditar o rumos do aluguel nos próximos três anos.
Entretanto, Oliveira avalia que, se o governo conseguir ganhar credibilidade fiscal, as expectativas de juros futuros podem cair e ajudar a reduzir também as taxas de financiamento bancário. “Se isso acontecer, a demanda de compra de imóveis aumenta e ajuda a reduzir a pressão sobre os aluguéis. A principal dúvida é se vai haver essa queda [de juros].”
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O índice FipeZap de Aluguel Residencial representa uma média da variação dos preços de locação em 36 cidades, incluindo 22 capitais. O indicador registrou uma alta acumulada de 13,75% no período de outubro de 2023 a setembro de 2024.
Trata-se de um avanço mais de três vezes acima da inflação medida pelo IPCA, que atingiu 4,42% no mesmo intervalo, e do IGP-M, com subida de 4,53%.
Em nove meses de 2024, a diferença é ainda maior. O FipeZap acumulou um avanço de 10,90%, o que significa um crescimento 3,2 vezes superior aos 3,31% do IPCA e mais de quatro vezes os 2,64% do IGP-M.
Pelo ângulo do investidor, o aluguel tem ficado cada vez mais atraente como renda extra. O nível dos reajustes tem conseguido se manter à frente até mesmo do tradicional CDI. Isso, mesmo em um momento de juros em alta, com perspectiva de a taxa básica Selic fechar 2024 perto de 12% ao ano.
Como o CDI acompanha a Selic, definida pelo Banco Central, a tendência é de o certificado de depósito interfinanceiro alcançar esse nível no fim do ano. Em 2024 até setembro, o CDI já acumulou um ganho de 7,90% ante os 10,90% do FipeZap.
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Para quem precisa alugar, no outro lado da moeda, o movimento tem cobrado um preço alto. A locação de um apartamento de 100 m2, por exemplo, custava R$ 4.151,00 em setembro de 2023, se for considerado o valor médio nacional por metro quadrado apurado pelo FipeZap. Um ano mais tarde esse custo aumentou quase R$ 600, para R$ 4.705,00. É praticamente como se você tivesse de acrescentar uma compra de supermercado a mais no mês.
Essa elevação pode ser ainda mais intensa nos cenários regionais. Em São Paulo, o maior mercado imobiliário do país, o valor médio do aluguel alcança R$ 56,37 por m2, ou seja, cerca de 20% acima da referência nacional. Isso significa que a locação de um imóvel com aqueles mesmos 100 m2 custa, em média, R$ 5.537,00 por mês, ou seja, o valor de um iPhone 15 por mês.
Apesar da alta disseminada em todas as capitais do país, as leituras regionais mostram que o cenário de cada cidade pode trazer pressões específicas sobre os aluguéis. Em Curitiba, por exemplo, com uma taxa de desemprego na casa de 5%, bem abaixo do índice nacional de 6,4%, registrado em setembro, os preços têm subido com mais força. A capital do Paraná teve um aumento médio de 17,94% em 12 meses até setembro, segundo o índice FipeZap.
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Uma metrópole que também se destacou nos últimos meses por conta de um fator regional foi Porto Alegre. Após as enchentes do início do ano, o mercado de locação residencial ganhou impulso com a busca de novas moradias. O avanço dos valores cobrados na locação de residências alcançou em média 25,53% no período, dos quais 21,94% apenas em nove meses de 2024.
A expansão do agronegócio no Centro-Oeste também tem adicionado combustível no motor dos preços de locação nas cidades da região. Goiânia, capital de Goiás, por exemplo, teve avanço de 17,23% em 12 meses. Só em 2024, o avanço atingiu 13,19%.
Já em Campo Grande o custo médio saltou 34,31%. De janeiro a setembro deste ano, os preços subiram 32,19% na capital do Mato Grosso do Sul.
Os valores atuais dos aluguéis já superam os níveis vistos antes da pandemia. No FipeZap, esse patamar foi ultrapassado em setembro de 2022. De lá para cá, os preços médios já estão 21% acima desse ponto.
Os aluguéis tendem a continuar em alta, é verdade. Mas, para a economista Paula Kasmirski, o ritmo de reajustes deve ser mais ameno daqui para a frente. A maior parte da subida ocorreu após a pandemia como um movimento de recomposição passado o período de isolamento. Na ocasião muitos proprietários evitaram subir os valores de locação e até negociaram descontos devido à queda de rendimento dos inquilinos.
A encruzilhada dos aluguéis para 2025 depende muito de como o mercado de compra e venda de imóveis vai se comportar. Se as taxas caírem em algum momento de 2025, o bolso pode começar a ficar mais leve para os inquilinos. Caso contrário, os preços vão continuar a subir. Até quando? Só os juros sabem.