Governo tenta reverter rejeição à reoneração de setores, mas Congresso ameaça com nova derrota
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) recorreu à cúpula do Congresso para tentar reverter a rejeição no Legislativo às medidas de reoneração de diferentes setores da economia, mas os parlamentares ameaçam impor uma nova derrota com a manutenção dos benefícios.
Enquanto a equipe econômica tenta emplacar uma transição mais longa em troca de retirar parte dos benefícios ainda em 2024, senadores falam abertamente que a decisão política de prorrogar o incentivo para os 17 setores até 2027 já está tomada. Uma eventual porta de saída só seria aplicada após esse prazo.
Na Câmara, deputados também defendem a manutenção dos benefícios para o setor de eventos. Em ambos os casos, os parlamentares viram na MP (medida provisória) do governo uma afronta a decisões anteriores já proferidas pelo plenário das duas Casas.
Diante das resistências, a Fazenda avalia a possibilidade de trocar a MP por um projeto de lei, cujos prazos e ritos de tramitação são mais flexíveis, mediante uma negociação dos “termos” da proposta.
O principal impasse, porém, é que os termos pretendidos pelo time de Haddad não têm tido aceitação entre os congressistas, de quem dependerá a validação de qualquer proposta -seja MP, seja projeto de lei.
A empresários do setores beneficiados com a extensão da desoneração por mais quatro anos, interlocutores do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), transmitiram a mensagem de que o trecho da reoneração da folha proposto pelo governo será retirado do texto, e as negociações se darão em torno da compensação pela perda de arrecadação.
Haddad insiste na reoneração já neste ano, mesmo depois de ser avisado de que a proposta com este teor não será aprovada pelo Congresso.
O ministro busca agora o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para tentar reverter o clima de rejeição à medida que se instaurou no Congresso. Entre parlamentares e empresários, o movimento de Haddad foi interpretado como uma tentativa de atrapalhar as negociações.
Apesar disso, o ministro disse nesta terça-feira (16) não haver qualquer animosidade entre o governo e o Legislativo por causa da MP. “Não existe tensão entre os Poderes”, afirmou.
Na Câmara, a preocupação é com o fim do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), que enfrenta grande resistência entre os deputados, mas é central para a Fazenda conseguir compensar a perda de arrecadação com a reoneração gradual da folha dos setores prevista na MP.
A redução do benefício às empresas ainda em 2024 tira R$ 6 bilhões das receitas do governo, valor que pode subir a R$ 12 bilhões no caso de manutenção integral do incentivo, como querem os parlamentares.
Por outro lado, o Ministério da Fazenda conta com uma economia de ao menos R$ 16 bilhões com a revogação do Perse.
Já o limite para as empresas usarem créditos tributários obtidos via decisões judiciais para abater os tributos a pagar por meio das chamadas compensações -outra medida polêmica lançada pela equipe econômica e que tem sido chamada de um novo calote após o caso dos precatórios- deve permanecer no texto.
Nas estimativas divulgadas pelo governo na ocasião do anúncio, limitar as compensações poderia elevar a arrecadação federal em cerca de R$ 20 bilhões já neste ano.
Além de compensar a perda de arrecadação com a prorrogação da desoneração dos setores, o governo corre o risco de ter de acomodar no Orçamento a frustração de receitas com o benefício aos municípios.
Durante a tramitação da desoneração, em 2023, os congressistas incluíram um dispositivo que reduz de 20% para 8% a alíquota paga por municípios com até 156,2 mil habitantes ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Em ano de eleições municipais, há uma forte pressão dos prefeitos para manter esse benefício, revogado pela MP do governo.
Os parlamentares buscam uma saída técnica para manter a desoneração da contribuição previdenciária paga pelas prefeituras, mas há discussões sobre o formato para não esbarrar em dispositivos constitucionais.
“A decisão política está tomada, vale a decisão do Congresso. Agora é ajustar procedimento, se devolve ou revoga a MP, com envio de PL [projeto de lei] sugerindo compensações”, disse à Folha o senador Efraim Filho (União Brasil-PB), autor do projeto que estende a desoneração por mais quatros anos.
O benefício da desoneração da folha foi criado em 2011, no governo Dilma Rousseff (PT), e prorrogado sucessivas vezes. A medida permite o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência.
A desoneração vale para 17 setores da economia. Entre eles está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita o jornal Folha de S.Paulo. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, entre outros.
O projeto foi aprovado com ampla maioria nas duas Casas e, depois, vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mais tarde, o veto foi derrubado pelo Congresso.
“O mais importante é a manutenção de uma política pública que reduz impostos para quem produz e garante empregos para quem trabalha”, afirmou Efraim Filho.
O presidente da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, Vanderlan Cardoso (PSD-GO), avaliou que será muito difícil para o Congresso aprovar a reoneração. Ele admitiu, no entanto, a possibilidade de diminuir o tamanho do benefício de alguns setores menos afetados.
“Estamos certos de que o governo e o Congresso chegarão a um acordo para devolver de forma urgente a MP, continuando a valer até 2027 a lei da desoneração”, disse a empresária Vivien Suruagy, presidente da Feninfra, entidade que representa as empresas do setor de infraestrutura de telecomunicações.
Segundo ela, que foi uma das principais negociadoras da desoneração pelo lado das empresas, não há mais tempo para esperar os 90 dias até a MP entrar em vigor, em 1º de abril. “Isto seria irresponsável com as empresas e trabalhadores”, criticou, em uma referência direta à fala do líder do governo no Senado, senador Jaques Wagner (PT-BA), de que há tempo até lá para as negociações.
Autor do projeto de lei que deu origem ao Perse, o deputado Felipe Carreras (PSB-PE) lembrou que o veto do governo Jair Bolsonaro (PL) a trechos do benefício às empresas do setor de eventos foi derrubado em 2022 com apoio de integrantes do PT, do PSOL e da Rede, siglas que hoje são parte da base governista no Legislativo.
Uma MP da gestão anterior votada em 2023 também tentou restringir o benefício do Perse, sem sucesso. O governo atual emplacou apenas uma peneira nas atividades que estavam pegando carona indevidamente no incentivo.
“Querer mexer no final do ano [via MP], sem discutir, pegou muito mal. Juntou dois temas que já haviam sido deliberados. O que tem sido dito junto a todos os líderes de bancada é que não prospera. Os líderes discordam da MP porque afronta decisões do Congresso”, disse Carreras.
O deputado, que também coordena a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Produção Cultural e Entretenimento, afirmou que o setor prepara um “grande manifesto” em defesa do Perse no dia 7 de fevereiro, na primeira semana de retomada dos trabalhos legislativos. O ato deve ocorrer na Câmara.
Um dia antes, Carreras disse que há uma reunião agendada com Haddad para discutir os benefícios ao setor.